Ramagem é o único parlamentar réu na ação que mira a cúpula do governo Bolsonaro na tentativa de golpe de Estado. Deputados veem brecha no texto aprovado que poderia beneficiar o ex-presidente, também réu. A Câmara dos Deputados decidiu nesta quarta (7) suspender um processo que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) e apura o envolvimento do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) na trama golpista articulada para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder.
O texto foi aprovado por 315 votos a favor e 143 contrários. Não precisa passar pelo Senado. Logo após a aprovação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), promulgou a proposta, que já passa a valer.
O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
O pedido já havia sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) durante a tarde e foi pautado em plenário no mesmo dia após acordo da oposição com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
A velocidade na votação se deu porque a Câmara deve ficar esvaziada na semana que vem. Está prevista a ida de Motta para os Estados Unidos para evento com empresários e, por isso, as sessões na Casa serão remotas.
Ramagem é o único parlamentar réu na ação que mira a cúpula do governo Bolsonaro na tentativa de golpe de Estado promovida pela gestão anterior.
Brechas
O relatório aprovado na CCJ, do deputado Alfredo Gaspar (União-AL), é genérico e não restringe a paralisação da ação penal ao nome de Ramagem, o que, segundo análise da oposição e também de governistas, abre brecha para o processo como um todo seja paralisado. Nessa interpretação, Bolsonaro e outros réus poderiam, em última análise, ser beneficiados.
“Fica sustado o andamento da Ação Penal contida na Petição n. 12.100, em curso no Supremo Tribunal Federal, em relação a todos os crimes imputados”, dizia o texto.
A decisão ocorreu apesar de um ofício da Primeira Turma do STF enviado à Câmara em abril afirma que o processo não pode ser suspendido como um todo pela Casa, mas apenas os crimes cometidos após a diplomação de Ramagem como deputado, o que ocorreu em dezembro de 2022.
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Assim, segundo o ofício, poderiam ser paralisadas apenas as análises de dois dos cinco crimes pelos quais Ramagem responde:
dano qualificado (com violência, com grave ameaça, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima);
e deterioração de patrimônio tombado.
Com isso, o deputado ainda responderia por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, crimes que estariam em curso antes da diplomação de Ramagem.
Em resumo:
O PL, em requerimento à Câmara, defendeu paralisar todo o processo do golpe de Estado contra Alexandre Ramagem até o fim do mandato, em 2026;
O STF, questionado pelo PT, afirmou que as regras só permitem uma paralisação parcial – de dois dos cinco crimes listados;
Alfredo Gaspar não só ignorou o alerta do STF, como abriu brecha para estender a suspensão aos demais réus do 'núcleo crucial' do golpe;
Juristas e parlamentares afirmam que decisões do STF já deixaram claro que não há possibilidade de estender o trancamento
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Imunidade parlamentar
A suspensão de um processo está prevista na Constituição, mas vale só para parlamentares e para crimes cometidos depois da diplomação do réu como deputado.
Por esse entendimento, que foi reforçado no comunicado enviado pelo STF à Câmara, Ramagem teria o processo suspenso por dois dos cinco crimes pelos quais responde: dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, delitos vinculados aos atos de 8 de janeiro de 2023.
Os outros três crimes que miram Ramagem continuariam a ser apurados pela Corte, porque teriam sido cometidos antes da diplomação de Ramagem como deputado: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; organização criminosa.
O presidente da Câmara, no entanto, disse que o plenário apenas votaria a aprovação ou rejeição do relatório da CCJ. Com isso, o texto aprovado continua genérico e abre a possibilidade de suspender a ação penal pelos cinco crimes para todos os réus:
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin;
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro.
Jair Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres, Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos e Paulo Sérgio Nogueira
g1
Inconstitucionalidade
Deputados governistas protestaram e classificaram a decisão de inconstitucional.
“A imunidade é para os parlamentares e não podemos rasgar a constituição. Isso significa desrespeitar a Constituição do Brasil”, afirmou Orlando Silva (PCdoB-SP).
“Entendo que quem defende Ramagem, mas trancar a ação de um julgamento que nem começou isso é constitucional”, disse o líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh farias (PT-RJ).
Juristas afirmam que não há possibilidade de uma decisão da Câmara abranger e beneficiar outros réus, além de Ramagem.
O professor do IDP e doutor em Direito Público Ademar Borges diz que a Câmara só tem competência para suspender um processo em relação a um parlamentar específico, e não para todos os réus.
Professor adjunto de Direito Constitucional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Wallace Corbo afirma que a Casa "não tem poder de suspender a ação penal com relação a quem não seja membro".
Parlamentares e especialistas em direito relembram que o Supremo já estabeleceu, em uma súmula, que prerrogativas da imunidade parlamentar, como é o caso em discussão, não se estendem ao "corréu sem essa prerrogativa".
Rito sumário
No início da sessão, Motta citou artigos do regimento que atribuem o dever de organizar os trabalho da Casa para derrubar a obstrução da base governista e acelerar a votação.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), determinou rito sumário na análise do caso.
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara impediu os pares:
de apresentarem emendas e destaques - sugestões de alterações no texto;
não permitiu a fase de encaminhamento e de discussão da proposta;
proibiu a apresentação de requerimentos de retirada de pauta e de adiamento de discussão.
A decisão irritou deputados da esquerda. Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que Motta estava se “rebaixando”.
“Não poder discutir é algo inusitado. Esse atropelamento não faz jus à sua tradição democrática e aqueles que votaram em vossa excelência para a presidencia”, disse Alencar.