Levantamento foi divulgado pela Pró-Música Brasil em março deste ano. Dia do Disco é comemorado neste domingo (20) e, por isso, o g1 visitou lojas e conversou com comerciantes que vivem a partir da venda de música em formatos físicos. Streaming e discos de vinil têm caminhado juntos
Diogo Del Cistia/g1
O disco de vinil, mesmo na era do streaming, ainda chama a atenção de todas as pessoas que veem um de perto até os dias atuais, independentemente da idade. Como aquela "bolacha" grande consegue gravar música? Como ela consegue emitir som a partir de uma agulha? Como ela pode ser colorida? São tantas perguntas...
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Um levantamento feito em março deste ano pela Pró-Música Brasil, entidade que representa as principais gravadoras do mercado fonográfico brasileiro, aponta que a "onda nostálgica" e curiosa do público gerou resultados positivos: de todas as mídias físicas vendidas no país no ano passado, 76,4% correspondem aos discos de vinil, isto é, R$ 16 milhões.
💽 Para homenagear o Dia do Disco, celebrado neste domingo (20), o g1 visitou lojas de discos no Centro de Sorocaba (SP) e conversou com comerciantes que, além de "viverem de música", conseguem analisar o fenômeno do vinil de uma forma mais milimétrica.
Na vida de Antônio Vilmar Walter, a música o acompanha além da apreciação desde 1987. Data que, além de representar a fundação da sua loja, é marcada pelo auge da venda de discos de vinil em todo o país. Com a modernização dos formatos de consumo ao decorrer do tempo, ele comenta que precisou adaptar o seu acervo para continuar na ativa.
"Nós temos uma trajetória legal. Mudamos diversas vezes de endereço até chegar no que estamos hoje, há cerca de um ano. Claro que passamos por alguns problemas, como a queda de vendas, a chegada do CD e o primeiro desaparecimento do vinil. Agora, com a volta dele, deu uma aquecida", comenta.
Vilmar tem uma loja de discos desde 1987
Diogo Del Cistia/g1
Vilmar lembra que, durante a trajetória da loja, o ápice das vendas foi a partir da comercialização definitiva do Compact Disc (CD), na década de 1990. Na época, as pessoas abriram mão dos long-plays (LPs) para obter o novo formato, que era menor e mais prático.
"As vendas costumam se manter, mas o 'boom' foi no surgimento do CD. Não cresce, não diminui, mas se mantém no patamar. Com a entrada das plataformas digitais, deu uma caída nas vendas da mídias digitais e, curiosamente, uma impulsionada no vinil. Não é um estrondo de vendas, mas a procura está aumentando de forma gradativa", explica.
Na visão do comerciante, a venda de vinis poderia ser ainda maior se as gravadoras que ainda atuam no país disponibilizassem álbuns de artistas internacionais. Porém, ele diz não entender muito bem o motivo da nova popularização do formato, devido à dificuldade de manuseio e, também, a necessidade de equipamentos de boa qualidade.
"O vinil requer um equipamento melhor, um sistema de som bom, uma agulha legal para desfrutar da qualidade. Eu, sinceramente, não sei o que aconteceu que a galera resolveu voltar para o vinil. Acho legal, também coleciono, mas prefiro ouvir um CD. Ele toca de uma vez só, não preciso me preocupar em virar o lado para tocar a outra parte", reforça.
Não existe fabricação de títulos internacionais no país
Diogo Del Cistia/g1
"Acredito que o pessoal saturou desse sistema maçante das plataformas digitais e está procurando um retorno ao analógico. Se compararmos, os CDs atuais estão com uma qualidade bem legal e existe uma facilidade melhor. Talvez uma parte seja à base do saudosismo", complementa.
Mesmo com os títulos internacionais estando fora de fabricação no país, Vilmar pontua que a procura é grande, principalmente entre os jovens. Segundo ele, os artistas mais procurados estão sempre dentro do mesmo nicho, como Beatles, The Smiths e The Cure.
"Os jovens talvez estejam consumindo mais o vinil por conta da influência dos pais. Mas eles estão sempre procurando artistas específicos, discos específicos, sempre muito dentro daquele padrão. The Smiths, por exemplo, sai bastante. Há ressalvas, por exemplo, esses dias, entrou um menino procurando discos de choro, de Waldir Azevedo, Pixinguinha e outros. É uma situação atípica", destaca.
Vilmar comenta que os CDs estão com boa qualidade
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Olhando por um viés econômico, o vendedor revela que, por conta da falta de fabricação nacional, o preço dos discos de vinil cresceu de forma exponencial e sua procura é maior que a oferta. Alguns fatores podem contribuir para a variação do preço, como a sua raridade.
"O preço aumentou muito. As pessoas preferem os discos de época. Existem a reedições, como as do Tim Maia, por exemplo, mas o público gosta mais do que foi lançado lá atrás. Como está cada dia mais difícil de ser encontrado, o preço sobe muito, o mercado fica 'inchado'", diz.
Como consequência do crescimento, hoje, as pessoas estão mais "antenadas" nos LPs. Segundo Vilmar, é por isso que os "achados" - discos de boa qualidade em preço baixo - estão cada vez mais impossíveis de serem encontrados.
"Hoje em dia, as pessoas sabem quanto custa cada um. Eu, como comprador, também não acabo pagando barato. Para o consumidor final, o preço acaba chegando 'lá em cima'. Quando o CD chegou, o vinil foi totalmente deixado de lado. Era comum encontrar álbuns a R$ 1, R$ 3, R$ 5. Atualmente, você não acha as coisas boas por menos de R$ 100", lamenta.
"As gravadoras independentes estão fazendo edições legais e bem bonitas, mas as gravadoras precisam entender que há mercado, principalmente no país. Reativando as fábricas e investindo mais, muita coisa pode mudar", finaliza.
A loja de Vilmar está localizada na Rua Professor Toledo, 228, no Centro.
💸 Disco de R$ 2 mil?
Discos são reproduzidos por meio de ranhuras no material
Guilherme Barbieri/Arquivo pessoal
José Ricardo Floriano e seu irmão, João Carlos, também possuem um comércio voltado à venda de discos no Centro de Sorocaba. A trajetória da dupla começou separada, cada um com suas lojas. Fechados durante a pandemia do Covid-19, eles decidiram unificar os comércios há quase três anos.
Ao g1, José Ricardo afirma que, no meio, a queda nas vendas é comum ao decorrer da semana em todos os formatos vendidos: CD, LP e fita cassette. Para ele, os melhores são os que "alguém entra e salva o dia inteiro".
"A queda é normal. Há os dias ruins e há os dias melhores. Nesses, o pessoal vem para comprar mesmo. De repente, tem uma pessoa que entra e salva o dia, que geralmente é de outra cidade, outra região. Eles acabam fazendo uma boa compra", celebra.
Segundo o vendedor, a repercussão do vinil está cada vez maior graças à atenção da mídia. Na loja em específico, a procura já é bem alta desde 2010.
"O interesse do vinil tem sido gradativo. A cada dez pessoas, oito procuram LPs. Antes dessa data, era tudo meio escondido. Apenas os colecionadores que guardavam na casa e não se desfaziam se interessavam, mas não vendiam, ninguém se arriscava. Em 2010, eu decidi vender a minha coleção e a procura foi legal. A partir daí, vi que dava para viver somente disso", explica.
José Ricardo (à esquerda) e João Carlos (à esquerda) vendem discos de vinil juntos
Diogo Del Cistia/g1
Depois do sucesso de vendas, José Ricardo, que atuava como segurança de banco, decidiu sair do seu emprego e se aposentar. De acordo com ele, o comércio digital era mais rentável do que o trabalho CLT.
"Eu cheguei a ganhar o triplo do meu salário somente vendendo discos na internet, nas plataformas de anúncio. Fiz as duas funções por um tempo, mas quando consegui atingir o meu tempo de serviço, dei entrada na aposentadoria e pedi para ser mandado embora. Hoje, trabalho apenas com isso, tenho meu tempo livre, faço meu horário. É bem mais confortável", relata.
Na visão de José Ricardo, a curiosidade dos jovens com relação aos formatos analógicos de música acontece por ser uma novidade para eles. O digital pode ser uma "mão na roda", mas, descobrir um jeito novo de ouvir suas canções favoritas pode ser revolucionário.
Digital possui facilidade, mas não é novidade para os jovens
Diogo Del Cistia/g1
"É uma novidade para jovens. Para mim não, eu vivi essa época, que também gravávamos música do rádio direto na fita. Hoje, está muito fácil consumir a mídia, seja música, filme, está tudo nas plataformas de streaming com um acesso muito fácil. Perdeu a graça", diz.
Para o homem, a propriedade da mídia é um ponto muito importante. Ter os discos pode ser fundamental pois, segundo ele, as plataformas somente "emprestam" o conteúdo por meio de uma mensalidade e, caso fique fora do ar, o conteúdo fica inacessível.
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"A plataforma digital pode ter tudo, mas você não é dono dela. Você precisa pagar para ouvir, mas nunca vai tocar, nunca vai ser seu. Se por algum motivo a internet ficar fora do ar, você pode ficar uma semana, 15 dias sem ouvir música. Com a mídia física, toca-discos, energia elétrica, a música está à disposição. Ela é sua. O arquivo é seu", opina.
Raridades também são parte do acervo da loja
Diogo Del Cistia/g1
No acervo dos irmãos, há relíquias que "valem ouro". Entre elas, está "Um Violão em Primeiro Plano", da cantora Rosinha de Valença. À venda por R$ 2 mil, o disco foi comprado por um revendedor que pretende levar o disco aos Estados Unidos.
"É uma raridade. Existem coisas aqui dentro que são muito raras, principalmente da bossa nova. Os discos são muito valorizados em outros países, como os Estados Unidos e o Japão. João Gilberto, Caetano Veloso, Gal Costa. Nem deixamos eles nas prateleiras, pois vendemos para estrangeiros", explica.
No mural da loja, há diversas capas de discos de vinil que marcaram gerações. Entre eles, está "Dangerous", do rei do pop Michael Jackson, "The Queen is Dead", da banda britânica The Smiths, e "Love Deluxe", da nigeriana Sade. Porém, há um que poucos conhecem: "Louco por Você", álbum de estreia do rei Roberto Carlos, renegado pelo próprio.
"Essa capa é extremamente difícil de conseguir. 'Louco por Você' é um disco que foi lançado sem a autorização do Roberto Carlos, pois ele havia mandado para uma gravadora avaliar a qualidade da sua música. Eles gostaram logo de cara e lançaram, mas ele não gostou e pediu pra tirar de circulação. Algumas pessoas já haviam comprado, então, é um item bem raro. Atualmente, a cópia completa pode valer R$ 8 mil", finaliza.
A loja de José Ricardo e João Carlos está localizada na Rua Padre Luiz, 407, no Centro.
Disco de estreia do rei Roberto Carlos é renegado pelo artista e pode valer até R$ 8 mil
Diogo Del Cistia/g1
*Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida
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