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Ex-ministros do Meio Ambiente assinam carta contra PL do Licenciamento Ambiental; veja análise


Grupo de ex-ministros critica 'licenciamento expresso' e alerta para impactos em florestas e comunidades. Senado aprova afrouxamento de regras de licenciamento ambiental

Jornal Nacional/ Reprodução

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Sete ex-ministros do Meio Ambiente que atuaram em governos de diferentes espectros políticos (FHC, Lula, Dilma e Temer) assinaram uma carta conjunta na qual criticam o projeto de lei aprovado pelo Senado que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no Brasil (veja a íntegra do texto abaixo).

O grupo afirma que o texto, que ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados, “promove o desmonte” do sistema atual.

"A carta condena de forma muito enfática o texto aprovado no Senado, que no entendimento desses ex-ministros, promove o desmonte do licenciamento ambiental no Brasil com graves consequências para bacias hidrográficas, florestas e os direitos dos povos originários", avalia André Trigueiro.

A carta foi divulgada nesta quinta-feira (5) e o grupo pretende marca um encontro com o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados. Eles também buscam contato com parlamentares para evitar a tramitação do projeto antes da conclusão da COP-30.

O documento também expressa solidariedade à ministra Marina Silva, alvo recente de ataques durante debates sobre o tema no Senado, e alerta para possíveis prejuízos à imagem do Brasil no exterior, especialmente em meio às negociações do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia.

Senado aprova afrouxamento de regras de licenciamento ambiental

Segundo o grupo — formado por Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, Rubens Ricupero e Sarney Filho —, o projeto aprovado no Senado incorporou dispositivos que permitem o chamado “licenciamento expresso”, criando exceções e dispensas para determinados empreendimentos considerados estratégicos, sem que haja avaliação adequada dos impactos ambientais.

Apesar de defenderem a modernização do processo, os ex-ministros criticam a forma como a proposta foi aprovada: sem debate público, audiências técnicas ou negociação com a sociedade civil. Segundo eles, a tramitação acelerada impede uma análise qualificada sobre os riscos da flexibilização e ignora princípios constitucionais que regem a política ambiental brasileira.

Outro ponto de destaque no texto é a preocupação com os efeitos internacionais da mudança. Os ex-ministros argumentam que o projeto pode enfraquecer a posição do Brasil nas negociações comerciais com a União Europeia, que já inseriu cláusulas ambientais no acordo com o Mercosul. Elas proíbem a importação de produtos oriundos de áreas com desmatamento ilegal ou envolvidas em conflitos com comunidades indígenas e quilombolas.

"Os europeus não querem importar produtos vindos de áreas onde haja qualquer risco de desmatamento abusivo ilegal ou áreas que produzam aquilo que os europeus não querem consumir que venham de disputa de terra com indígenas ou quilombolas em embrolhos que os europeus não querem validar", avalia André Trigueiro.

A carta foi divulgada às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente e coincide com a visita do presidente Lula à França, onde o tema ambiental está no centro das atenções internacionais. Além da manifestação dos ex-ministros, o projeto também foi criticado por representantes da ONU, que divulgaram uma nota expressando preocupação com o retrocesso ambiental e possíveis violações a direitos constitucionais.

Íntegra da carta dos ex-ministros

"O Fórum dos Ex-Ministros do Meio Ambiente vem por este meio se manifestar sobre dois fatos relevantes: a aprovação, no Senado, do PL que desmonta os mecanismos do licenciamento ambiental e as agressões que a ministra Marina Silva sofreu numa comissão de infraestrutura do Senado.

Inicialmente, o PL do licenciamento ambiental tinha o propósito de agilizar o licenciamento, o que ninguém pode ser contra.

Afinal foi aprovado por duas comissões no mesmo dia — Meio Ambiente e Agricultura —, e, depois, no plenário. Sem discussão aprofundada, sem audiência.

É muito grave o que esse projeto de lei propõe, porque inclui não só os projetos de pequeno porte — com o que havia acordo —, mas também os de médio porte, que são bem mais impactantes e que terão muito menos estudos e mecanismos para a redução dos seus impactos. Também amplia muito o alcance do autolicenciamento, estabelecendo uma situação meramente declaratória. Portanto, um risco ambiental.

Depois, passa o licenciamento de projetos relevantes para estados e municípios, e sabemos que muitos desses estados e municípios não têm equipes e condições de avaliar e licenciar esses projetos. Suprime várias etapas que exatamente garantiriam para a sociedade maior transparência, conhecimento mais amplo dos impactos sobre a água que se bebe, o ar que se respira, o verde a que se tem direito e, naturalmente, sobre a biodiversidade.

Por fim, inclui projetos estratégicos cujo licenciamento vai passar mais pela esfera política do que pela esfera técnica, o que é um grande risco. Porque o fato de ser um projeto estratégico não significa que não possa ter grande impacto nos biomas, nos povos indígenas, nas águas. Então realmente põe em risco, porque o objetivo principal do licenciamento é garantir que esses projetos tenham as melhores tecnologias, as melhores localizações e reduzam ao máximo seus impactos. Também que compensem eventual dano ambiental, de modo que possa haver condicionantes ambientais que melhorem a vida da população e compensações ambientais que ajudem a manter as unidades de conservação. Essa é a lei atual.

Se você quebra esse ciclo, deixa de cumprir a principal razão de ser do licenciamento ambiental como um instrumento, não de obstaculizar projeto algum, mas de proteger a saúde, o ambiente e até prevenir efeitos no agravamento da questão climática, no aquecimento global.

Acresce que, em qualquer momento, seria deletério desmontar o licenciamento em todas essas hipóteses. Mas, neste momento especial, é duplamente grave, porque estamos às vésperas da COP30, em que o Brasil quer jogar um papel de protagonismo — e isso enfraquece o país bastante.

Segundo ponto: estamos muito próximos de efetivar o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia. O Brasil tenta isso há mais de 20 anos. Finalmente se avançou, vários obstáculos foram superados. No entanto, há resistência, sobretudo de caráter protecionista, na França e em outros países. E eles alegam que países do Mercosul, com legislação ambiental menos rigorosa, têm menos custos e conseguem colocar então seus produtos na Europa com uma situação mais favorável na competição.

Ao enfraquecermos as proteções ambientais com o desmonte de vários aspectos do licenciamento, nós vamos dar argumento para aqueles que usam a questão ambiental como mecanismo protecionista, criando uma barreira. Então, com a política de Trump de desmonte dos mecanismos de livre comércio em nível mundial, tanto o Brasil e o Mercosul como a União Europeia precisam mais ainda desse acordo de livre comércio. Portanto, fragilizá-lo, colocá-lo em risco nesse momento é tudo aquilo que a economia brasileira não precisa.

Portanto, rogamos que os deputados analisem esse PL aprovado no Senado com calma, porque o projeto inicialmente aprovado na Câmara foi muito mutilado. E que realizem pelo menos uma grande audiência pública com os cientistas para avaliar qual a repercussão que essa proposta aprovada no Senado teria no meio ambiente, nos biomas, na política climática do Brasil e também na COP 30, e no acordo de cooperação e livre comércio com o Mercosul e a União Europeia.

Por fim, nós, ex-ministros e ex-ministras do Meio Ambiente — que participamos de várias gestões, de diferentes partidos, e agimos muito para impedir, na época da gestão Bolsonaro, um desmonte maior nas questões ambientais, obtendo algumas vitórias importantes —, manifestamos aqui a nossa solidariedade à ministra Marina Silva, que não poderia ter sido agredida dessa forma.

Ponha-se no seu lugar: não a respeitar como ministra? O que é isso? Uma mulher que foi senadora, é deputada federal, ministra já pela terceira vez, em um terceiro governo, não pode ser tratada assim. As divergências existem, são naturais e têm que ser discutidas — nunca com desqualificação e agressão, que inclusive têm um caráter misógino e de um desrespeito flagrante.

Está aqui a posição do Fórum dos Ex-Ministros do Meio Ambiente."

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