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Investigação detalha atuação de policiais civis e militares da BA em esquema de desvio de armas que levou a exoneração de delegado


Investigações apuram homicídios e desvio de armas envolvendo policiais civis e militares

Uma ação conjunta das polícias Militar e Civil, realizada no dia 11 julho de 2024, virou alvo de uma investigação complexa da Corregedoria da Polícia Civil e o Ministério Público do Estado. A apuração mira em três PMs e um ex-PM, suspeitos de participar de um esquema de desvio de armas que terminou com a tortura e morte de duas pessoas.

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O g1 teve acesso a detalhes da investigação que há um ano levanta informações sobre a noite da ação policial.

Inicialmente, a ação, realizada pelo Departamento de Polícia Metropolitana (Depom) e Coordenação de Recursos Especiais (Core), foi apresentada como uma das maiores apreensões de armas até aquela altura de 2024. Uma submetralhadora, seis fuzis e mais mil munições foram encontradas em um matagal de Lauro de Freitas, cidade da Região Metropolitana de Salvador (RMS).

A denúncia apresentada pelo MP e corregedoria da PC, aponta que, na verdade, havia ao menos 20 armas do tipo no local encontrado na noite de 11 de julho de 2024, assim como pistolas. Todos os investigados participaram da ação e presenciaram a conduta ilegal dos policiais.

O delegado Nilton Tormes é um dos pontos-chave da investigação e foi exonerado do cargo de coordenador do Depom em março deste ano, por suspeita de envolvimento no esquema. O relato do delegado foi essencial para chegar até os idealizadores do desvio de armas, que foram formalmente denunciados. São eles:

Roque de Jesus Dórea, capitão do Departamento Pessoal da Polícia Militar;

Jorge Adisson Santos da Cruz, ex-policial militar, demitido por envolvimento em crime de extorsão, mediante sequestro seguido de morte, em 2015;

Ernesto Nilton Nery Souza, soldado da Polícia Militar, lotado no bairro da Liberdade.

O que aconteceu na noite da ação policial

Conforme a denúncia, o investigado Roque de Jesus Dórea, conhecido como Capitão Dórea, entrou em contato com o cabo da Polícia Militar (PM) Tibério do Vale Alencar para informar que tinha detalhes sobre um esconderijo de drogas e armas em Lauro de Freitas.

O capitão da PM conseguiu a informação alguns dias antes, durante uma operação da organização que levou à morte de Manoel Ferreira Santos, conhecido como "Nei", apontado como integrante de uma facção criminosa e dono do esconderijo.

A investigação aponta que Tibério entrou em contato com Nilton Tormes, delegado exonerado da Polícia Civil, que sinalizou o interesse da organização em apreender os itens ilícitos. A partir disso, formou-se um grupo composto por policiais militares e civis, que participaram da ação investigada.

Em depoimento à 2ª Vara do Tribunal do Júri, Nilton Tormes afirmou que a alta cúpula da Polícia Civil sabia sobre a ação do dia 11 de julho e autorizou a participação da Coordenação de Recursos Especiais (Core). No mesmo dia, o grupo de policiais marcou um encontro na Estrada CIA-Aeroporto, em Salvador, para discutir a ação.

Estiveram no ponto de encontro, o delegado Tormes, o cabo da PM Tibério e uma equipe da Core, na época chefiada por Douglas Piton. O capitão Dórea chegou ao local de encontro, por volta das 22h, na companhia do soldado Nilton Nery e do ex-PM Jorge Adisson, bem como outros dois homens:

Joseval Santos Souza, conhecido como "maquinista" e que respondia por tráfico de drogas;

e Jeferson Sacramento Santos, enteado de Joseval.

Os dois homens trabalhavam em uma obra na cidade de Lauro de Freitas. Jeferson chegou ao ponto de encontro em um carro branco, do qual era dono, enquanto os policiais utilizavam um veículo vermelho.

Na denúncia, os investigados ouvidos detalharam, inicialmente, que Joseval chegou ao local algemado e sem camisa. Ele seria informante do Capitão Dórea e foi o responsável por guiar os policiais até o local do esconderijo. Jeferson teria ficado dentro do carro durante toda a ação.

O grupo atravessou a área de mata, em meio a chuva e sem uso de lanternas para evitar chamar atenção. Todos os investigados relataram que as armas foram encontradas em um tonel enterrado no chão e o material (que também incluía munições e drogas) foi colocado dentro do porta-malas de uma viatura da Core. Nenhum dos investigados soube dizer quantas armas foram apreendidas.

Investigação detalha atuação de policiais civis e militares da Bahia em esquema de desvio de armas

Foto: Divulgação/Depom

Mesmo diante do que seria a maior apreensão de armas de 2024, nenhum levantamento, relatório ou contagem foi feita. As armas foram levadas para a sede da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), por ordem do diretor do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), Artur Gallas.

O inquérito aponta que as armas só passaram por perícia após serem manipuladas diversas vezes, momento em que a informação chegou à imprensa baiana.

Familiares de homens capturados sofreram tentativa de extorsão

Neste meio tempo, os familiares de Jeferson Sacramento Santos e Joseval Santos Souza começaram uma busca pelos dois, que estavam desaparecidos desde a manhã do dia 11 de julho. A dupla trabalhava em uma obra na cidade de Lauro de Freitas e saiu de casa às 7h para um dia de trabalho.

A esposa de Jeferson ficou preocupada devido ao sumiço do homem, que não retornou para casa no horário esperado. De acordo com a denúncia, ela tentou entrar em contato com ele diversas vezes por telefone e recebeu uma mensagem, às 22h, em que ele disse que teria uma reunião "com os meninos".

Na madrugada do dia 12 de julho, ela recebeu uma nova mensagem feita pelo número de Jeferson, em que foi comunicado o sequestro do homem. Os sequestradores se identificaram como policiais e exigiram R$ 30 mil, via PX, para libertar Jeferson e Joseval.

A família dos homens ficou desesperada e se reuniu para procurar por eles em hospitais da região. No dia 13 de julho, o corpo de Jeferson foi identificado no Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues. Ele foi encontrado morto por volta das 3h, na Avenida 2 de Julho, região do bairro de Águas Claras, em Salvador.

Posteriormente, também no IML, estava o corpo de Joseval, ainda sem identificação. O irmão da vítima foi acionado e o reconheceu.

Jeferson foi enterrado no dia 14 de julho, enquanto Joseval foi sepultado no dia seguinte. A denúncia do MP e da corregedoria detalha que os dois foram encontrados com sinais claros de tortura, assim como diversas perfurações por arma de fogo.

O desaparecimento dos dois foi investigado pela Delegacia Antissequestro, onde a esposa de Jeferson registrou uma queixa. O delegado Adailton Adam foi responsável por traçar a linha que conectou o desaparecimento das vítimas com a ação dos policiais investigados.

Como investigados foram conectados com os homicídios

Policiais são investigados por suspeita de homicídios e desvio de armas

Foi o delegado Adailton Adam, que conseguiu conectar a ação ilegal dos investigados ao desaparecimento de Jeferson e Joseval.

Segundo Adam, o soldado Nery contou em depoimento que ouviu na mata, onde o esconderijo foi encontrado, perguntarem ao delegado Nilton Tormes o que fazer com o informante. O policial civil teria respondido com "dê o destino", indicando a execução de Joseval.

O corpo de Jeferson foi encontrado no dia 12 de julho, em Águas Claras, e o de Joseval, no dia 14, em Cajazeiras de Abrantes. Após a tentativa de extorsão à família de Jeferson, o cartão de crédito da vítima foi utilizado para comprar um lanche em uma banca de caldo de cana, na cidade de Lauro de Freitas.

Essa foi uma das pistas principais da investigação, uma vez que quem utilizou o cartão foi o soldado da Polícia Militar Nery, um dos denunciados pelo MP-BA. Além disso, o militar chegou a abordar o delegado Adalto Adam e confessou a execução, assim como a utilização do cartão da vítima.

Ainda conforme o responsável pela Delegacia Antissequestro, o militar admitiu ter ficado com uma das armas do esconderijo, sem ter registrado. O delegado afirmou ainda que após a conversa foi procurado pelo Cabo Tibério e o delegado Nilton Tormes, que pediram para que ele parasse com a investigação.

Na conversa, o cabo da PM chegou a pedir que os colegas respondessem pelo ocorrido individualmente e sugeriu que mataria os outros militares envolvidos.

"Ele insistiu em dizer: 'doutor, você vai pedir pela preventiva?'. Eu disse: 'vou pedir'. [Ele disse]: 'Não faça isso. Deixe os caras responderem soltos, porque eu mesmo vou derrubar'", relatou o responsável pela delegacia antissequestros.

O soldado Nery, capitão Dórea e o ex-PM Adisson foram presos durante uma operação em agosto de 2024. Com eles foram apreendidas drogas, dinheiro e armas, inclusive a arma que Nery tirou do esconderijo.

No dia em que foi preso, o capitão Dórea escreveu uma carta onde relatava que os policiais da Core pegaram ao menos 10 pistolas do esconderijo enterrado na mata. Entretanto, este documento desapareceu.

Toda a ação ainda é investigada pela Corregedoria da Polícia Civil e MPBA. Ainda não se sabe a quantidade de armas retiradas do esconderijo que pertencia a uma facção criminosa. Os policiais da Core chegaram a receber uma gratificação pelo armamento apresento, mesmo com as investigações em curso.

Delegado Adailton Adam conectou o desaparecimento de Jeferson e Joseval com a ação dos policiais investigados

Reprodução/TV Bahia

O que dizem os envolvidos

➡️ Em nota, a defesa do soldado Ernesto Nery disse que se só irá se manifestar nos autos do processo.

➡️Já a defesa do ex-policial militar Jorge Adisson afirmou que não irá prestar esclarecimentos sobre o caso.

➡️ À TV Bahia, o cabo Tibério Alencar negou as acusações feitas pelo delegado Adailton Adam.

➡️ O ex-coordenador da Core, Douglas Piton, afirmou que os policiais da unidade foram ouvidos nas condições de testemunhas e entregaram os celulares pessoais voluntariamente.

➡️ Sobre a perícia das armas ainda no esconderijo, o delegado Nilton Tormes afirmou que o procedimento não é feito no local da apreensão.

Além disso, o delegado exonerado afirmou que desconhece qualquer denúncia de desvios de pistolas feita por policiais da Core. Nilton afirmou que a conversa com Cabo Tibério e o delegado Adailton Adam, quando se discutiu sobre a soltura dos policiais presos, não aconteceu. Por fim, ele afirmou que desconhece a participação de um informante para a localização do esconderijo de armas.

➡️ O delegado Artus Gallas afirmou que a apuração das suspeitas estão sendo feitas pela Corregedoria da Polícia Civil,por isso não tem conhecimento sobre o caso.

➡️ Em nota, o delegado Adailton Adam afirmou já ter prestado esclarecimentos à Justiça e a Corregedoria da Polícia Civil, e que não fez nenhuma denúncia de desvio de armas. Ele ressaltou que o foi dito em depoimento está em apuração pela polícia.

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