Márcio Bittar após reunião com Paulo Guedes na segunda-feira (5).
REUTERS/Ueslei Marcelino
A Justiça Federal do Acre julgou procedente a ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF-AC) e determinou a suspensão de repasses federais à Santa Casa da Amazônia e à Santa Casa de Rio Branco, ambas com sede no Acre, sob suspeita de fraude, desvio de finalidade e promoção pessoal com recursos públicos. A sentença ainda cabe recurso.
A ação teve como um dos alvos o senador Márcio Bittar (União), responsável por indicar, em 2022, R$ 126 milhões em emendas parlamentares para as instituições, acusado de utilizar os recursos para autopromoção. O g1 entrou em contato com o senador e aguarda retorno.
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A decisão cita como exemplo a fixação de placas e imagens do senador nas dependências do hospital, o que fere o princípio constitucional da impessoalidade.
“As menções honrosas são um exemplo de atos que podem caracterizar promoção pessoal”, destacou a magistrada Luzia Farias da Silva Mendonça, que assinou a sentença.
Segundo o MPF, a Santa Casa da Amazônia teria sido reativada de forma fraudulenta para burlar os impedimentos legais da Santa Casa de Rio Branco, que está impossibilitada de receber verbas públicas por conta de dívidas fiscais, trabalhistas e outras irregularidades.
Santa Casa de Rio Branco
Aline Nascimento/g1
A juíza afirmou que a operação representou 'fraude contra credores' e violação dos princípios da administração pública.
“A Santa Casa da Amazônia está sendo utilizada com desvio de finalidade e com o propósito de lesar credores da Santa Casa de Rio Branco, além de burlar os impedimentos de funcionamento desta entidade”, afirmou.
Dentre as principais determinações da sentença, destacam-se:
Suspensão dos empenhos federais destinados à Santa Casa da Amazônia;
Impedimento de ambas as entidades para contratar com o poder público;
Cancelamento da análise de novas propostas e recursos para as instituições;
Reconhecimento de irregularidades na emenda parlamentar indicada por Márcio Bittar, por promover atos de autopromoção e violar princípios constitucionais.
Marcio Bittar (PL-AC) é senador pelo Acre
Reprodução/GloboNews
Benefícios à ex-esposa e irregularidades no hospital da capital
A magistrada também concluiu que houve promoção pessoal a Márcia Bittar, ex-esposa do senador, beneficiada com homenagem mesmo sem ocupar cargo público. Na época, ela era pré-candidata ao Senado.
“A impropriedade na homenagem é tanta que a Sra. Márcia Bittar foi agraciada mesmo sem ter praticado nenhum ato administrativo formal para o benefício da entidade”, escreveu.
Márcia Bittar também foi apontada na ação do MPF
Reprodução
A ação cita também que cerca de R$ 15 milhões em empenhos foram direcionados à Santa Casa da Amazônia, mas os recursos acabaram sendo usados na prática para reformar a estrutura da Santa Casa de Rio Branco, entidade impedida de receber verbas públicas devido a dívidas trabalhistas e fiscais.
“Verbas públicas não podem ser destinadas à Santa Casa da Amazônia, sob pena de convalidar a fraude realizada pelas entidades”, determinou a juíza.
Além disso, o texto da decisão destaca que ambas as instituições compartilham o mesmo endereço físico, têm o mesmo gestor e praticam atos de gestão conjunta, o que, segundo a sentença, caracteriza confusão patrimonial.
Ação
De acordo com a ação, em setembro de 2021 foi realizada uma solenidade em Rio Branco para marcar o lançamento da pedra fundamental da reforma da Santa Casa de Rio Branco. A cerimônia contou com placa alusiva ao parlamentar e à ex-esposa dele.
O procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias, afirmou que a Santa Casa de Rio Branco possui impedimentos legais para firmar contratos com o poder público, incluindo dívidas trabalhistas e tributárias, além de condenação por improbidade administrativa contra o principal gestor da entidade.
Pedra fundamental da reforma da Santa Casa de Rio Branco foi inaugurada em setembro de 2021
Arquivo pessoal/Sérgio Vale
Para driblar as restrições, segundo o procurador, os dirigentes teriam utilizado a Santa Casa da Amazônia como fachada para receber os recursos.
A manobra, segundo o órgão, permitiu o empenho de mais de R$ 1 milhão, mesmo sem que a entidade possuísse a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social, um documento obrigatório para celebrar convênios e contratos com o governo.
"O inquérito demonstrou que as duas instituições são, na prática, a mesma: compartilham o mesmo telefone, endereço, administrador e estrutura societária", diz.
Senador Márcio Bittar fala sobre emendas para obras de infraestrutura no Acre
O que diz o hospital
À Rede Amazônica Acre, o diretor da Santa Casa de Rio Branco, José Aleksandro da Silva, disse que o hospital recebeu a sentença, entrou com recurso e, atualmente, a Santa Casa segue funcionando normalmente e aplicando as emendas, inclusive com a chegada de equipamentos.
“Essa sentença está sob apelação. Nós apresentamos a apelação com um efeito suspensivo. Ela está para o Ministério Público fazer a manifestação das contrarrrazões do que dissemos, ela só passa a existir depois do trânsito em julgado. Até lá, seguimos [funcionando] normalmente, sem nenhum prejuízo", falou.
Ainda segundo o gestor, a Santa Casa da Amazônia foi transferida de Cruzeiro do Sul, no interior do estado, para Rio Branco e está documentada. Ele alegou ainda que são duas unidades diferentes e que, inicialmente, havia assessorado para organizar a situação.
"Temos portal da transparência, Cebas [Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social] e estamos com tudo em dia", complementou.
O diretor falou também sobre a acusação de problemas envolvendo o pagamento de funcionários. "A Santa Casa de Rio Branco estava completamente fechada quando eu assumi. Tinha 127 ações trabalhistas. Fizemos um trabalho grande de recuperação e seguimos pagando os débitos", frisou.
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