Representantes da comunidade indígena dos Krekak, atingidos pela tragédia da Samarco em Mariana.
Divulgação/Matthew Pover
As mineradoras Vale e BHP ofereceram cerca de US$ 1,4 bilhão (aproximadamente R$ 7,6 bilhões) para encerrar um processo coletivo movido no Reino Unido por vítimas do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), segundo informações publicadas pelo jornal britânico "Financial Times".
O caso é considerado o maior da história jurídica inglesa em número de autores e valor solicitado. (saiba mais abaixo)
Ainda segundo o jornal, a proposta, feita em junho deste ano, inclui cerca de US$ 800 milhões destinados diretamente às vítimas e outros US$ 600 milhões para custear honorários advocatícios e despesas legais.
A oferta foi apresentada em uma reunião em Nova York com representantes do escritório britânico Pogust Goodhead, responsável pela ação, e com o fundo norte-americano Gramercy, principal financiador do processo.
O g1 procurou o escritório britânico Pogust Goodhead, a Vale e a BHP, que responderam que não comentarão o assunto.
De acordo com o Financial Times, o Pogust Goodhead buscava um valor maior, próximo de US$ 3 bilhões. Ainda não há acordo fechado, e qualquer eventual acerto precisará ser aprovado pelos cerca de 640 mil autores da ação.
O julgamento terminou em março, e a decisão da Alta Corte de Londres é esperada para os próximos dias.
O processo pede até £36 bilhões (cerca de R$ 255 bilhões) em indenizações pelo desastre ocorrido em novembro de 2015, quando a barragem de rejeitos da mineradora Samarco, controlada por Vale e BHP, se rompeu.
O rompimento resultou na morte de 19 pessoas, destruiu modos de vida, contaminou a bacia do Rio Doce e é considerado a maior tragédia ambiental da história do Brasil.
Caso a BHP seja considerada responsável, o valor de qualquer indenização final ainda será definido em um novo julgamento, marcado para outubro de 2026. A Vale já concordou em dividir igualmente qualquer quantia que venha a ser estabelecida.
As empresas argumentam que o processo na Inglaterra não é mais necessário, alegando que já firmaram, no ano passado, o acordo com autoridades brasileiras que prevê o pagamento de cerca de US$ 30 bilhões ao longo de 20 anos para reparar danos causados pelo desastre.
O processo em Londres
A primeira fase do julgamento começou em outubro de 2024 e incluiu depoimentos de testemunhas, especialistas e apresentação de alegações finais até março deste ano.
Veja linha do tempo:
Entre outubro e novembro de 2024, as testemunhas citadas no processo foram interrogadas.
Em dezembro, foram ouvidos especialistas em direito civil, incluindo prescrição e renúncias, e direito societário. Também foi debatida a legitimidade de municípios para litigar fora do país antes de o tribunal entrar em recesso.
Entre os últimos 13 e 29 de janeiro, a corte retomou os trabalhos e ouviu especialistas em direito ambiental e geotecnia.
Em fevereiro, o processo entrou na fase de preparação das alegações finais.
Nos dias 5, 6, 7 e 13 de março, os advogados das vítimas fizeram as últimas sustentações orais. De 10 a 12 de março, foi a vez da defesa da BHP.
O julgamento chegou ao fim em 13 de março.
Espera-se que o veredito da corte saia ainda em 2025.
No andamento do processo, o escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos, afirmou que, se a sentença for favorável e não houver acordo, pedirá à Justiça inglesa que os clientes recebam um pagamento provisório enquanto a ação tramita.
A barragem de Fundão se rompeu em 5 de novembro de 2015, provocando o derramamento imediato de aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração.
Rompimento de barragem da Samarco em Mariana
Douglas Magno/AFP Photo
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Em frente ao Tribunal de Londres, atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão seguram cartaz com os dizeres: "Essas são as vítimas do desastre de Mariana. Elas terão justiça?"
Divulgação/Pogust Goodhead
Ação na Justiça inglesa
Na ação movida na Justiça inglesa por cerca de 620 mil atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, na Região Central de Minas Gerais, comunidades, municípios, igrejas e empresas reivindicam mais de R$ 260 bilhões em indenizações da BHP, com antiga sede em Londres.
O processo corre desde 2018, porém, somente em julho de 2022, a corte da Inglaterra decidiu julgar o caso. As audiências começaram em outubro de 2024.
Durante o julgamento, a defesa das vítimas alegou que a BHP tinha conhecimento dos riscos de rompimento da barragem e, como acionista da Samarco, deve responder pelos danos causados.
Ao longo das oitivas, os advogados dos atingidos apresentaram evidências de que a empresa teria recebido "sinais de alerta" sobre a estrutura pelo menos seis anos antes da tragédia. A mineradora negou as alegações.
De acordo com o escritório Pogust Goodhead, houve problemas no armazenamento de lama na barragem e incidentes de infiltração na estrutura, o que seria um indicativo de que o sistema de drenagem não estava funcionando de forma adequada. Um relatório de 2009 mostrou que água e sedimentos estavam vazando por um buraco surgido na face da estrutura.
"Pequenos problemas podem se transformar em problemas muito grandes com esse tipo de estrutura. Nossa principal reclamação é que essa sequência de problemas nunca foi analisada de forma suficientemente holística para perceber que havia um problema fundamental com a drenagem revisada”, disse o advogado Andrew Fulton KC.
Também conforme o escritório de advocacia, a Samarco não implementou evacuações preventivas em Bento Rodrigues, mesmo sabendo que uma ruptura inundaria a área em menos de 10 minutos.
Foram apresentadas, ainda, informações sobre uma rachadura detectada em agosto de 2014 e considerada pela defesa uma "evidência de falha iminente do próprio talude". Embora a mineradora tenha implementado medidas de emergência, o fator de segurança recomendado não foi alcançado.
Estimativas internas da própria empresa, mostradas no tribunal, previam até 100 mortes e um impacto financeiro inicial de US$ 200 mil por vítima — o que corresponderia a um gasto total de US$ 1,25 bilhão com o pagamento de multas, compensações, processos judiciais e reparações.
Trabalho de buscas por vítimas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (08/11/2015)
Ricardo Moraes/Reuters
Acordo no Brasil
Enquanto o caso é julgado pela Justiça inglesa, em outubro de 2024, Samarco, Vale BHP fecharam um novo acordo com o poder público no Brasil para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem.
O valor total é de R$ 170 bilhões, que incluem R$ 38 bilhões já gastos em medidas de recuperação executadas desde a tragédia, há quase nove anos.
Em novembro, a Justiça Federal do Brasil absolveu a Samarco e as subsidiárias dela das acusações. A decisão justificou a absolvição com base na "ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal" direta e individual de cada réu envolvido no caso.
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