Enquanto enfrentam o luto e a pressão emocional a cada novo ciclo de tentativas, 'tentantes' encontram força para seguir em um processo que, segundo especialista, exige acolhimento, escuta e respeito. 'Mães tentantes’ lutam por resultado positivo após perda do primeiro bebê
A cada mês, a chegada da menstruação é vista como uma pequena derrota para muitas mulheres que perderam o primeiro bebê e continuam tentando engravidar. Com o adiamento do sonho, o ciclo recomeça com uma mistura de dor e esperança.
No Dia das Mães, celebrado neste domingo (11), o g1 conversou com duas "mães tentantes" de Araçatuba (SP), termo usado para definir quem está na luta por um teste de gravidez positivo, seja de forma natural ou por meio de tratamentos para fertilidade, e com uma psicóloga, que explica os impactos emocionais desse processo.
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"Sentirei saudades pelo resto da minha vida", desabafa Isabela Saab Lanza, de 30 anos, ao falar sobre Joaquim, o filho que perdeu na 23ª semana de gestação. A nutricionista, que foi diagnosticada com endometriose profunda, adenomiose e miomas, não imaginava que conseguiria engravidar com apenas quatro meses de tentativas.
"Eu fiquei muito feliz, mas, ao mesmo tempo, não acreditava que era possível, tanto é que fiz inúmeros testes de gravidez, porque eu não acreditava que era real, que eu poderia viver esse milagre", compartilha.
A alegria do resultado positivo transbordou. Isabela comprou roupinhas, ganhou fraudas, fez o chá revelação de seu bebê (assista ao vídeo acima). No entanto, os momentos felizes deram lugar a um luto inesperado.
"Ele se mexia muito. Quando de repente parou e eu senti que algo estava errado. No consultório, descobrimos que o coração dele não batia mais. Meu mundo caiu ali mesmo", relembra.
No segundo trimestre da gestação, Isabela precisou ser internada para induzir o parto de seu bebê
Arquivo pessoal
Segundo a psicóloga clínica e social Laide Julioti, de 37 anos, especialista em bem-estar feminino e acolhimento de mães e gestantes, a perda gestacional muitas vezes não é reconhecida socialmente como um luto legítimo, o que torna o processo ainda mais doloroso.
"Chamamos de 'luto não autorizado'. A mulher não perde só o bebê, mas também o futuro que já estava sendo sonhado: o nome, o quarto, o vínculo. Quando esse luto é silenciado, ele se torna solitário e mais difícil de elaborar", explica Laide.
Ana Claudia, de 37 anos, queria ser mãe desde o primeiro casamento e hoje aguarda as chances de uma nova gravidez após uma cirurgia bariátrica. A negociadora descobriu a primeira gravidez apenas no momento em que estava sofrendo um aborto.
"Senti uma dor forte e, logo após, comecei a sangrar", conta. Apesar da tristeza, ela lembra que a dor veio acompanhada de um tipo inesperado de alívio: "Fiquei muito triste, mas feliz por saber que eu podia engravidar", compartilha.
🤰🏻 Como dar o apoio correto?
A psicóloga ressalta que essa confusão emocional é comum no luto gestacional.
"É um momento em que amor, culpa, esperança e dor se misturam. Muitas mulheres se sentem como se o corpo tivesse falhado, e isso abala profundamente a autoestima. Por isso, o acolhimento, tanto profissional quanto familiar, é fundamental", destaca.
Foi com o apoio psicológico e também na fé que Isabela encontrou apoio. Ela já havia enfrentado depressão durante a juventude e não hesitou em buscar ajuda ao perceber o impacto da perda em sua saúde mental. "Nos primeiros dias, perdi o sentido de viver. Me revoltei, questionei tudo. Mas logo entendi que, apesar de tudo, eu nasci para ser mãe. Se antes havia dúvida, agora não há mais", diz.
Ana Claudia, por sua vez, não buscou apoio psicológico, mas recebeu acolhimento da família e do marido, que compartilha o sonho da paternidade. Em um momento, o casal até cogitou a adoção. "Chegamos a ir atrás dos papéis no fórum, mas depois decidimos seguir tentando. A cirurgia foi um passo importante para melhorar minha saúde e aumentar as chances", afirma.
Após a cirurgia bariátrica, Ana emagreceu mais de 60 quilos
Arquivo pessoal
Percurso desgastante
O percurso das tentantes, explica a psicóloga, é emocionalmente desgastante. "A cada mês virá uma nova expectativa. Quando não vem o positivo, vira frustração. E, quando há também pressão externa, o desejo de engravidar se transforma em sofrimento constante", explica.
Por isso, Laide defende que o tempo e o espaço da dor sejam respeitados, e que frases prontas sejam evitadas.
"Comentários como ‘relaxa que vai dar certo’ ou ‘Deus sabe o que faz’ podem machucar. Às vezes, o melhor apoio é o silêncio empático, a presença que não julga, nem pressiona", alerta.
Para essas mulheres, datas como o Dia das Mães são especialmente difíceis. "Lembro que, se não tivesse perdido, estaria comemorando com meu filho (a). Mesmo sem saber, a presença dele (a) na minha barriga foi um sonho", desabafa Ana.
Isabela encara a data com uma lembrança ainda mais difícil. Neste domingo completam-se cinco meses desde a perda do filho. "Está sendo um pouco difícil. Eu me sinto triste, porque era para ele estar aqui", conta. Em meio à dor, ela encontra espaço para a gratidão.
"Apesar de tudo, foi lindo viver 23 semanas com ele, senti-lo. Foi a maior felicidade da minha vida", destaca.
Isabela continua tentando engravidar com o auxílio de suplementação de vitaminas
Arquivo pessoal
*Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida
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