Além de violência verbal, pacientes alegam demora ou negativa de atendimento, que foram ignoradas quando se queixaram de dores e que foram obrigadas e entrar em indução do parto normal. Em nota, a Secretaria da Saúde informou que as denúncias serão apuradas para as medidas cabíveis serem adotadas. Pacientes denunciam violência obstétrica e falta de insumos no Hospital do Ipiranga
Mulheres que tiveram filhos no Hospital Ipiranga, na Zona Sul de São Paulo, relatam ter sofrido violência obstétrica antes do parto e afirmam que foram induzidas por médicos e enfermeiras a realizar parto normal.
O g1 ouviu pacientes que receberam atendimento no hospital — três delas passaram pelo local neste ano. Entre os relatos, as pacientes alegam:
demora ou negativa de atendimento;
culpabilização da paciente;
recusa em ouvir sinais e queixas das mulheres;
abandono e isolamento durante a indução do parto;
violência verbal por parte da equipe médica;
procedimentos forçados ou não consentidos.
Em nota, a Secretaria da Saúde do estado de São Paulo informou que as denúncias serão apuradas para as medidas cabíveis serem adotadas. "A unidade ressalta que preza pelo atendimento humanizado e profissional a todos os pacientes que procuram a unidade, além de ser credenciado como referência para realização de partos de alto risco."
Carla da Silva Lana, de 24 anos, foi internada em 6 de abril. Ela afirma que chegou ao hospital já em trabalho de parto, com um quadro de pré-eclâmpsia e pressão arterial extremamente alta.
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“Eles [médicos] inibiram meu parto duas vezes e minha pressão começou a subir muito e não abaixava. Eu avisei os médicos que precisava fazer o parto, senão teria uma convulsão. Mas o parto não foi feito; fiquei internada e mantida em observação por 12 dias. Durante esse período, tentaram me induzir psicologicamente a aceitar a indução de parto normal, mas recusei por conta da pré-eclâmpsia”, afirmou Carla ao g1.
A indução é a antecipação do trabalho de parto por meio de métodos que estimulam o início espontâneo das contrações, geralmente com o uso de medicamentos. A substância mais comum é a prostaglandina, e o procedimento costuma ser indicado a partir da 41ª semana de gestação.
Hospital Ipiranga, em São Paulo
Divulgação/Secretaria de Saúde
Carla conta que pediu ajuda da irmã, que é advogada, e que o parto só foi realizado em 18 de abril, após a intervenção dela.
“Eles disseram para a minha irmã que eu tinha aceitado a indução e que até tinha assinado um papel — o que não aconteceu. Meu parto foi feito e, logo depois, eu entrei no sulfato. Meu bebê também foi levado direto para a UTI. Quando eu chorava por toda a situação e por não ter visto meu filho, o chefe dos cirurgiões veio até mim, eu reclamei que não aguentava mais, e ele falou:
‘Você não teve filho? Não foi para parir?’”, relatou Carla.
Ela afirma ainda que, durante o parto, sentiu uma forte pressão, como se o médico estivesse subindo sobre a barriga dela para expelir o bebê. Após o nascimento, o filho foi internado na UTI com infecção no estômago, sem previsão de alta.
“Se [o parto] tivesse sido induzido, minha pressão subiria e eu teria convulsionado. No fim, eles iam me deixar sofrer até o último minuto para forçar um parto normal. Arriscaram minha vida e a do meu filho para tentar me convencer psicologicamente a aceitar a indução”, conclui.
A respeito do caso de Carla, a secretaria afirmou que "o hospital ressalta que ela deu entrada na unidade no dia 4 de abril, com idade gestacional de 32 semanas e sem ter realizado as consultas e exames de pré-natal preconizadas na atenção básica".
Três dias de indução ao parto normal
Simone Neves da Silva, de 32 anos, foi internada em 21 de abril devido a complicações causadas por diabete gestacional e pressão arterial elevada. Apesar de não ter planejado a indução, ela foi submetida a três dias de tentativa de parto normal contra a sua vontade. A equipe médica insistiu para que ela aceitasse, mesmo após a paciente expressar que preferia a cesariana.
"Fiquei no processo de indução por três dias e já não aguentava mais, estava desgastada. Quando fui conversar com os médicos e pedir pela cesariana, queriam me colocar no soro. Eu recusei, e um médico, que era chefe do turno, disse que, como eu já tinha feito outros partos normais, não havia nenhuma chance de ser uma cesariana desta vez", afirmou.
Ela continuou no processo de indução e teve um parto normal no quarto dia, em 24 de abril. Seu bebê nasceu com uma fratura na clavícula que, segundo ela, foi causada pela forma como ele foi retirado durante o parto. Também segundo a mãe, a equipe médica não percebeu o problema até que Simone notou a dificuldade de respiração do bebê.
Culpabilização da mãe
Nicole Santos, de 25 anos, teve sua filha em janeiro deste ano. Ela chegou ao hospital na noite do dia 25, e o parto foi realizado na manhã do dia 26. Nicole informou que, ao dar entrada na unidade, foi submetida a testes rápidos para HIV, sífilis e hepatite C, que apresentaram resultado positivo — sem confirmação laboratorial.
Por conta disso, foi medicada e teve que aguardar por horas até a realização do parto.
"Durante a espera, uma enfermeira falou para mim que eu só estava passando por aquilo por causa do teste positivo. Isso ficou gravado na minha cabeça. Me senti culpada por estar passando por aquela situação e por submeter minha filha a isso", afirmou.
Três dias depois, o resultado laboratorial confirmou que Nicole não tinha nenhuma das doenças indicadas inicialmente.
"Senti que fui ignorada pelas enfermeiras, tratada com descaso."
Autonomia médica x autonomia da paciente
Segundo Juliana Hasse, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB-SP, a violência obstétrica é caracterizada por condutas — ações ou omissões — que causem sofrimento físico, psicológico ou moral à gestante durante o pré-natal, o parto ou o pós-parto.
O estado de São Paulo reconhece formalmente a prática, definindo-a como ações que violem os direitos humanos, a autonomia e a privacidade da mulher, desrespeitem-na ou a ofendam física, verbal, moral ou psicologicamente.
"Entre os exemplos mais comuns estão a recusa de atendimento, imposição de procedimentos sem consentimento, culpabilização da paciente, isolamento sem acompanhante, violência verbal e omissão de informações. A autonomia médica é importante, mas encontra limites na autonomia da paciente, no dever de informação e no respeito à integridade física e emocional da mulher. Quando o cuidado perde a escuta, e a paciente se torna invisível, a conduta deixa de ser técnica e passa a ser violenta", afirma.
Hasse ressalta que procedimentos desnecessários ou não autorizados pela gestante também se encaixam no quadro de violência obstétrica. A paciente não pode ser desrespeitada ou não informada sobre quaisquer procedimentos.
O que é violência obstétrica?
Profissão Repórter – Violência Obstétrica – 12/12/2018
Violência obstétrica é o termo utilizado para caracterizar abusos sofridos por mulheres quando procuram serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto, nascimento ou pós-parto. Os maus-tratos podem incluir violência física ou psicológica, podendo fazer da experiência do parto um momento traumático para a mulher ou o bebê.
A violência obstétrica está relacionada não apenas ao trabalho de profissionais de saúde, mas também a falhas estruturais de clínicas, hospitais e do sistema de saúde como um todo.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) se manifestou em 2019 ao lançar posicionamento oficial para evitar violências contra as mulheres grávidas. As diretrizes, de acordo com a instituição, servem para qualificar a assistência ao parto e assegurar o respeito à autonomia da grávida. Entre as diretrizes, estão:
Individualidade: é considerada boa prática chamar a paciente pelo nome, sem usar apelidos.
Internação: o órgão recomenda internar a gestante para assistência quando ela estiver na fase ativa de trabalho de parto.
Acompanhantes: é orientado estimular e facilitar a presença de acompanhantes durante o trabalho de parto, de acordo com a livre escolha da paciente.