'A gente praticamente estava desmatando parte da natureza lá', disse um corredor que participou da 6ª edição da Transmantiqueira Ultra Trail Agulhas Negras. A Prefeitura de Resende afirmou não ter conhecimento de danos ambientais relacionados ao evento. Relatório constata abertura de trilhas clandestinas na Pedra Selada
Um relatório do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) aponta danos ambientais no Parque Estadual da Pedra Selada, no sul fluminense. De acordo com o documento, trilhas clandestinas foram abertas para uma corrida de montanha que reuniu centenas de participantes.
A sexta edição da Transmantiqueira Ultra Trail Agulhas Negras (Tutan) aconteceu no início do mês. Foram disponibilizadas mais de mil inscrições a preços que variaram entre R$ 119 e R$ 1.250.
Eles aceitaram o desafio de participar de corridas de média e longa distância pelos municípios de Itatiaia, Resende e parte de Bocaina de Minas, no estado vizinho de Minas Gerais. No entanto, o evento provocou danos ambientais, segundo o Inea.
Corrida em mata fechada em Resende
Reprodução/TV Globo
Um corredor reclamou que a trilha não existia.
“Colocar uma bandeirinha não significa que você fez o percurso da prova. Enquanto eu atravessava aquela montanha, aquele morro, eu ficava pensando assim: meu Deus, quanto dano a gente tá fazendo aqui. Aquilo não era uma trilha. A gente praticamente estava desmatando parte da natureza lá. É uma total falta de respeito com a natureza e com os atletas. Colocaram a vida de muitas pessoas em risco.”
Outro disse que passaram por áreas precárias no mato, onde o trajeto exigia o uso de cordas e cipós, representando risco à segurança dos participantes.
A 6ª edição da Transmantiqueira Ultra Trail Agulhas Negras aconteceu em Resende
Reprodução/TV Globo
“Nos expôs a picadas recentes feitas no meio do mato, em que as pessoas que iam e voltavam tinham que se agarrar momentaneamente em cordas e cipós, expondo a vida.”
Uma das competidoras disse ter visto muitas palmeiras, bromélias espécies nativas derrubadas, o que ela considerou como um desrespeito aos atletas e ao meio ambiente.
Corrida em mata fechada em Resende
Reprodução/TV Globo
Exonerações
Wilson Moura, da Agência do Meio Ambiente de Resende, foi exonerado
Reprodução/TV Globo
Dois dias depois do encerramento do evento, o presidente da Agência do Meio Ambiente de Resende, Wilson Moura, foi exonerado pela prefeitura.
Há 37 anos atuando como servidor público na área ambiental, Moura vinha comandando a agência nos últimos 12 anos. Foi homem de confiança dos últimos três prefeitos de Resende.
Num grupo de WhatsApp, Wilson Moura afirmou que foi exonerado por não ter concordado com os percursos da corrida Tutan, que pretendiam atravessar áreas intangíveis (onde não é permitida a intervenção humana), em propriedades particulares transformadas em reservas de proteção ambiental, sem autorização dos proprietários.
"Além disso, contrariam o plano diretor da área de proteção ambiental da Serrinha e os planos de manejo de duas outras reservas particulares de proteção da natureza."
A competição também provocou outra baixa na área ambiental de Resende. Gestor há 5 anos da Unidade de Conservação da Serrinha do Alambari, Valmo Santos pediu exoneração do cargo.
Valmo Santos pediu exoneração da Unidade de Conservação da Serrinha do Alambari
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Wilson Moura e Valmo Santos não quiseram gravar entrevistas nem dar informações sobre o caso.
O RJ2 apurou que a Agência Ambiental de Resende determinou que as provas acontecessem em trilhas pré-existentes, evitando a abertura de trilhas improvisadas em locais não autorizados.
Só que as recomendações não teriam sido respeitadas pelos organizadores do evento.
As irregularidades foram confirmadas pela direção do Parque Estadual da Pedra Selada, administrado pelo Inea.
Pelo menos em uma Unidade de Conservação foram abertas clandestinamente trilhas que alcançaram áreas de mata fechada com destruição de espécies protegidas por lei.
O relatório técnico de vistoria ambiental resumiu em dez páginas todas as infrações, entre elas:
O evento aconteceu sem autorização do Inea;
A abertura de trilha irregular alcançou trechos com declividade superior a 45 graus, caracterizando intervenção em área sensível e de difícil recuperação;
Dentre os danos ambientais mais importantes foram constatados impactos sobre a flora nativa, inclusive espécies protegidas como várias palmeiras jussaras, que são fonte de alimento para diversas espécies da fauna local;
A passagem dos corredores pela floresta nativa causou a compactação do solo pelo pisoteio, interferindo no escoamento da água da chuva.
O relatório traz fotos e mapas georreferenciados, confirmando os danos causados pelo evento e cita que pelo menos quatro artigos da lei de crimes ambientais foram desrespeitados.
Relatório traz fotos confirmando os danos ambientais após a corrida
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O diretor do Parque Estadual da Pedra Selada, que assina o documento, pede a responsabilização dos envolvidos e a reparação da destruição ambiental.
“Ela aconteceu em torno de 215 metros na zona de amortecimento e dentro da zona de preservação, dentro da área do parque, no nosso núcleo, cerca de 600 metros. Por que é grave? Porque é uma área altamente preservada e uma área que não tem nenhuma intervenção humana", explica o gestor da Unidade de Conservação, Carlos Dário de Castro Moreira.
"E aí, além da trilha, das questões do solo, as questões da flora também foram afetadas", acrescentou.
No site da organização da prova, os competidores acessaram a seguinte informação:
“Primando sempre por respeitar a legislação ambiental em vigor no país dentro das áreas de preservação, seguindo todas as recomendações (...) com relação a minimizar possíveis impactos ambientais, com pena de desclassificação e multa financeira conforme possa ser enquadrado o dano ambiental.”
Nota da organização da corrida
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O que dizem os citados
A Prefeitura de Resende disse que não tem conhecimento de qualquer dano ambiental causado pela prova.
Informou ainda que não houve qualquer interferência no trabalho técnico da Agência do Meio Ambiente da cidade e que orientou que fossem buscadas rotas em conformidade com a legislação ambiental.
A prefeitura declarou ainda que a nomeação e a exoneração de secretários é uma prerrogativa exclusiva do prefeito.
Os organizadores da corrida Tutan disseram que o evento foi realizado com as autorizações das prefeituras e que seguiu os percursos acordados. A empresa afirmou ainda que não teve acesso ao laudo de vistoria ambiental do Inea.